Odisséia bulímica

sábado, 10 de maio de 2008


Tão logo amanheceu, o café estava posto a mesa, a fumaça do pão formava uma atmosfera altamente devoradora no ambiente. Mimi saiu do quarto, arrastando as chinelas, murmurando palavrões em sua cabeça. Era a terceira noite de insônia, a cama era grande demais e para quem estava acostumada a dormir agarrada a um homem de quase dois metros de altura, acordar babando no travesseiro vazio não podia ser agradável. No banheiro, colocou o dedo na garganta para vomitar o remédio que havia tomado para adormecer. Seu dedo era tão comprido que alcançou mais do que o esperado e quando Mimi percebeu estava com toda sua mão enfiada na garganta. Deu um grito desesperador tentando murmurar socorro, bateu com toda a força a bunda na porta para que alguém viesse. Sua irmã abriu a porta a pontapés e com toda a habilidade mágica que tinha para resolver problemas, tirou a mão de Mimi de dentro de sua própria garganta.

- Obrigada, achei que entraria para o Guiness Book das mortes mais ridículas, que nem a Mama Cass com o sanduíche de Peru.

- Vê se na próxima vez não faz mais isso, a tua garganta pede socorro, criatura!

- É. Você me ouve gritando no meio da noite né? Pois é. Traga-me o Johnny de volta que eu paro de berrar.

- Aceita de uma vez: ele não volta. Não enquanto não houver um tratamento decente para ele dentro de casa. - disse Monique puxando a descarga para dissipar o vômito e o sangue dentro da privada.

- Como assim?

- Ah, as tuas frescuras. Como só querer transar aqui dentro de casa e com aquela touca ridícula na cabeça. E se mamãe abre a porta de repente, hein?

- Pára, maman já está surda e mal caminha. Não existe risco. Quanto ao cabelo, se você fosse ao salão toda a semana, entenderia o porquê. E quando ele deitou-se comigo, sabia disso e continuava. Então, olha o que eu faço com a aliança ridícula de "propriedade privada"...


Mimi ficou balançando a mão no ar como se estivesse fazendo mágica para que a aliança aparecesse. Ficou minutos repetindo este gesto autista, até seu cérebro dar um estalo:


- Tá. Eu engoli a aliança.

- O QUEEEEEEEEEEEEEEEEE? - quem berrava agora era Monique

- A essa hora a maldita deve estar atravessando meu esôfago. Eu sabia, aquele filho da puta colocou uma macumba de alguma puta com AIDS na aliança! Vou cantar como? Soluçando aliança decerto!

- Calma, eu já volto.


Monique saiu correndo do banheiro e como um raio cruzou a sala. Voltou ao banheiro trazendo um pequeno pacotinho nas mãos. Entregou-o a irmã:

- Toma isso.

- Que isso?

- Laxante.

- TÁ ACHANDO QUE VOU TOMAR ISSO E CAGAR A ALIANÇA, SUA PÉRFIDA?

- CALA A BOCA E TOMA LOGO! NÃO ADIANTA FAZER A ENJOADA!

- Eu não vou tomar esse remédio, Monique. Prefiro ter uma overdose de Activia.

- Vai morrer dessa forma ridícula, então?

- Não, porque vaso ruim não quebra. Tenho muitos compromissos hoje e preciso cumprí-los. Se eu morrer, pelo menos, morrerei com as agendas cumpridas e vocês não serão extorquidos. Depois irei ao hospital e vamos ver se eles abrem meu estômago.


Mimi vestiu sua melhor roupa, tomou 25 goles de água mineral seguidos, era o que fazia quando vomitava por indução. E saiu. Depois de muito saracotear, finalmente a hora de ir pra casa chegou. Não. Havia o hospital. E o mais perto ficava perto da Vila Cruzeiro. Mimi tinha uma verdadeira xenofobia por seus conterrâneos necessitados. Fez o sinal da cruz. Mas Jesus Cristo não estava do seu lado.

O carro arranjou a melhor hora para estragar. Ela desceu do carro, colocou um triângulo para sinalizar o estrago, ligou para sua casa, mas ninguém atendeu. O jeito era torcer para que algum jaguar passasse pela rua e lhe desse carona. Mireille recebeu cantadas dos caminhoneiros locais que pediram seu cigarro francês e lhe perguntaram quanto cobrava um sexo bem feito. E quando contou sobre seu veículo defeituoso, eles chegaram a conclusão de que ela estava se fazendo de cu doce por causa do mesmo.

- Pô dona, a gente dá uma carona se o problema for locomoção. Sexo na boléia pode ser pra lá de interessante.


Mimi já implorava para que Deus olhasse por ela, naquela situação, com aqueles mortos de fome, quando uma mulher que denominava-se "Pichorra" chegou no recinto e expulsou todos os caminhoneiros com um simples gesto do dedo indicador. Quem olhava para Pichorra, tinha a impressão de que era "graxenta" até a raiz dos cabelos. Muito gentil, ofereceu a Mireille uma carona até o hospital. Sem saída, ela aceitou. Havia um detalhe: Jesus Cristo queria divertir-se as suas custas mais um pouco. Logo, ela não saiu do carro até Pichorra contar-lhe toda a sua vida, a amante do marido era um chevette velho. Vivia atrás do salafrário, disposta a colocar fogo na lata velha. Depois de uma hora, Mimi saiu lesa do carro e pronta para ser sedada e acordar de preferência dali a três dias.

O hospital era público. E SUS sabem como é. Ela morreria com a última lembrança de Johnny no corpo: a aliança.


Agora Jesus teve de beber copos de água tamanho o ataque de riso que estava tendo...

2 comentários:

Júlia Souza Lisbôa disse...

o teu texto foi o divertimento do meu dia.
Sabe, nem sempre a história é a mais interessante do mundo, mas eu realmente acho que tu tens um grande potencial.
há dias bons e dias ruins... hoje esse texto fez o meu dia ruim ter um final ameno.
Isso é positivo. =]

Fiquei pensando no homem de 2 metros de altura.. hmmmmm

Braga disse...

Uma verdadeira obra de arte, oras. Me fez rir. Engolir uma aliança numa crise bulímica. Tua criatividade não tem limites, não é mesmo? Aliada ao tem dom (que é sem dúvidas muito grande. rs) para escrever, ficou genial. Esse mereceu um comentário, de tão bom.

Te amo.

 
A excêntrica vida de Dona Cuca - Templates para novo blogger